Plano Diretor da RMBH para quem? Por frei Gilvander Moreira[1]
Ferramenta constitucional para o
planejamento metropolitano, prevista no artigo 46, inciso III da Constituição
do Estado de Minas Gerais de 1989, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, foi feito, de 2009
a 2011, com intensa participação popular, envolvendo pesquisadores da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Por ser bom para o povo e democrático, este
PDDI da RMBH não foi aprovado e não virou lei na Assembleia Legislativa de
Minas Gerais (ALMG).
Composta de 34 cidades, a RMBH é a terceira
maior região metropolitana do país, já com seis milhões de habitantes e intenso
processo de conurbação. Nos últimos 12 anos, as desigualdades socioeconômicas e
as injustiças socioambientais na RMBH se agravaram muito. Por iniciativa do
atual desgovernador de Minas Gerais, parece que buscando segurança jurídica
para o famigerado projeto de Rodoanel na RMBH, o desgovernador Zema contratou
uma empresa do Paraná para fazer a atualização do PDDI da RMBH, que não foi
colocado em prática por ter sido arquivado pela ALMG. De 31 de julho a 24 de
agosto deste ano de 2023, estão acontecendo 17 audiências públicas, uma para
cada dois municípios. Na última semana, cinco “audiências públicas” foram
feitas em cinco cidades da RMBH: Brumadinho, Vespasiano, Contagem, Pedro
Leopoldo e Lagoa Santa.
Começou bem mal. Com escassa divulgação,
a participação popular está sendo irrisória. Em Brumadinho, apenas três pessoas
usaram o microfone para dar alguma sugestão. Ninguém das cinco Comunidades
Quilombolas e das duas Retomadas Indígenas (Aldeia Arapowã Kakyá do Povo
Xukuru-Kariri e Aldeia Kamakã Mongoió do povo Kamakã e outros povos) de
Brumadinho participaram, o que significa que não houve consulta às Comunidades e
Povos Tradicionais; grave erro. Pelo município de Nova Lima, ninguém do povo
estava presente. Em Vespasiano, só três pessoas usaram o microfone. Ninguém de
Santa Luzia participou. Longe demais para ir participar. Em Contagem, a
audiência pública iniciou com 45 minutos de atraso, autoridades falaram outros
45 minutos e uma pessoa da empresa do Paraná apresentou um diagnóstico preliminar
em outros 45 minutos, o que tem sido feito em todas as “audiências”. Resultado:
metade do povo que lotava um salão foi embora antes de poder falar ou ouvir a
participação popular. Em Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, também, pouquíssimas
pessoas participaram, em um auditório praticamente vazio. Se continuar nesta
toada, confirmará nossa suspeita de que as audiências públicas foram planejadas
apenas para dar o verniz de que houve participação popular. Sem divulgação
intensa e envolvimento dos Movimentos Sociais Populares, serão arremedos de
audiências públicas.
Outro grave problema, melhor dizendo, outra
grave injustiça, é o jeito como foi feito o “diagnóstico preliminar” e está sendo
apresentado. Diz-se que está no site da Agência Metropolitana de Minas Gerais um
diagnóstico de mais de 630 páginas, e se apresenta uma “síntese” em 45 minutos.
De forma sutil se prioriza e dá um desmedido tempo para se falar de problemas
de mobilidade, dando a entender que é um jeito de tornar palatável e
justificável a construção do Rodoanel na RMBH, melhor dizendo, Rodominério,
infraestrutura para as mineradoras continuarem ampliando mineração em Belo
Horizonte e na RMBH, o que é insuportável. Alegando análise técnica, mas sendo na
prática um tecnicismo político, pois se abordam os problemas basicamente
através de porcentagem, o que esconde a brutal violência que está por trás das
porcentagens. Por exemplo, não basta dizer que 85% das Pessoas em Situação de
Rua da RMBH estão em Belo Horizonte. É preciso dizer que são mais de 12 mil
pessoas, número maior que a população de muitas cidades da RMBH e maior do que
400 cidades de Minas Gerais. Número que vem crescendo muito. Não há nem uma
palavra no “diagnóstico preliminar” que mostra que nenhum passageiro na RMBH é
transportado através de trens. Existe apenas um trem da Vale para turista que
vai de Belo Horizonte para Vitória, Espírito Santo. Não mostra que até 50 anos
atrás, 1970, existia transporte de passageiros através de trens entre todas as
34 cidades da RMBH.
Em Belo Horizonte, segundo o Projeto
Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre
eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas,
surgem inundações em Belo Horizonte. Se o caminho das águas é obstruído, óbvio
que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura
de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para “construir moradias para
automóveis”: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando
se respeitará mais a dignidade dos automóveis que a dignidade humana?
Nas cinco “Audiências Públicas” da 1ª
semana, as lideranças populares foram enfáticas e denunciaram com veemência que
a causa maior das injustiças que campeiam na RMBH está sendo o conluio entre o
poder público estadual e o municipal para favorecer as grandes mineradoras.
Mineração que já carcomeu a Serra do Curral de forma brutal. Em voo aéreo se vê
a RMBH toda esburacada com dezenas de crateras de mineração e 32 barragens de
rejeitos tóxicos da mineração com riscos graves de romper. Técnicos dizem que
todas as barragens vão se romper; só não se sabe o dia e a hora, pois são
gigantes montes de rejeitos minerários sem estruturas de contenção seguras. Está
sendo violada a lei Mar de Lama, que exige que as mineradoras resolvam os
riscos gravíssimos das barragens com descaracterização. Vários mananciais de
abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH já foram dizimados pela
mineração devastadora e muitos outros estão sendo sacrificados no altar do
ídolo capital da mineradora Vale S/A e outras mineradoras. Foi sacrificado o rio
Paraopeba, que respondia por 50% do abastecimento público de Belo Horizonte e
RMBH. Neste contexto brutal de insegurança hídrica e de emergência climática,
reivindicamos por responsabilidade social, ecológica, geracional, que o PDDI da
RMBH exija a redução drástica da mineração em Belo Horizonte e RMBH, o que
exige excluir e proibir a construção do Rodoanel na RMBH, pois não resolverá a
injustiça de mobilidade reinante e será na prática um rodominério, obra
faraônica, ecocida, hidrocida, eleitoreira, autoritária, estrada da morte,
dragão do Apocalipse.
O projeto do Rodoanel está eivado de
ilegalidades e injustiças: a) sem participação popular, pois as “audiências
públicas” realizadas durante a pandemia da covid-19, a toque de caixa, foram
farsas de audiências públicas; b) O leilão e a assinatura do contrato com uma
empresa multinacional ligada à extrema direita na Itália foram feitos SEM
Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé, conforme prescreve o
Tratado Internacional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) da ONU[2];
c) Não foi feito o licenciamento ambiental antes do leilão e da assinatura do
contrato. E se o licenciamento ambiental com os necessários estudos de impactos
ambientais assegurar que é inviável a construção do Rodoanel? Em cláusula
leonina do contrato para caso de necessidade de romper o contrato, o Governo de
Minas Gerais garante pagar uma multa de cinco bilhões de reais, o que, segundo
juristas, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal; d) E os direitos das mais de
15 mil famílias que serão desapropriadas e terão suas casas demolidas recebendo
uma indenização que não cobrirá mais do que 30% do valor justo pelo terreno e
construções? Sendo mais de 95% das propriedades sem escritura e sem registro de
propriedade, mas só com “Contrato de Compra e Venda”, a indenização será menor
e mais injusta ainda. Isso agravará brutalmente a injustiça urbana e
metropolitana na RMBH, porque aumentará muito o déficit habitacional; e) E a
brutal devastação de muitos mananciais, áreas de proteção ambiental, sítios
históricos e arqueológicos e as mais de 45 Comunidades Quilombolas, centenas de
Terreiros, outros Povos Tradicionais (ciganos, carroceiros ...) da RMBH e
milhares de famílias de agricultores familiares que há mais de cem anos
produzem alimento no chamado “cinturão verde” da RMBH? Enfim, se o Rodoanel for
construído na RMBH, continuaremos marchando rumo ao abismo de desertificação da
RMBH, conurbação desenfreada, extinção de muitos mananciais necessários para o
abastecimento público. Fome e sede imperarão na RMBH!
Pelo tamanho e importância da metrópole,
o desenvolvimento do Plano Diretor Metropolitano (PDDI) deve ser um processo
que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a
Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos,
o processo participativo, para além dos ritos previstos como audiências
públicas, é fundamental para garantir a governança metropolitana. A Agência
Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses
metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já
produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que
envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e
não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, frisamos.
Garantir preservação ambiental, frear
drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de
mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são
questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH, o que implica em
abortar o famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério,
infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte e Região Metropolitana de Belo Horizonte, o
que não é mais suportável. Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte e RMBH.
Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão
hídrica e o sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há
como viver.
Para impedir a agudização das injustiças
socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH
propomos que se conste do PDDI da RMBH a exclusão do projeto do
Rodoanel/RODOMINÉRIO e que existem propostas alternativas à construção do
Rodoanel, entre as quais destacamos: a) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte
para as várias cidades da RMBH; b) Resgate do transporte de passageiros/as
através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte. Existem estudos
avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura
e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de Minas Gerais e na Comissão de Ferrovias da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que corroboram estas alternativas;
c) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; d) Revitalização
e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e
será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos
socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte a 13 municípios
da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de
reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de Minas Gerais e está
pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra.
Esse projeto poderá ser atualizado, se necessário, e realizado com a verba
acima citada, proveniente da tragédia-crime de Brumadinho. Esse anteprojeto foi
total e injustificadamente desconsiderado pelo Estado, que optou pelo nocivo
projeto do Rodoanel[3].
Todas essas propostas, por óbvio, devem
ser submetidas à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé de
Povos e Comunidades Tradicionais que sejam impactadas por elas. A apresentação
de propostas alternativas cumpre o propósito de demonstrar que existem caminhos
menos danosos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio histórico e cultural
da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que devem ser estudados e divulgados
antes da implantação de uma grande obra que somente irá beneficiar as
mineradoras.
Portanto, o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH),
MG, precisa ser feito com Participação Popular, ouvindo, acolhendo e incluindo
no PDDI da RMBH diretrizes que de fato serão para o bem do povo e do ambiente e
não do grande capital (FIEMG e mineradoras).
08/08/2023.
Obs.: As videorreportagens nos links,
abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1
- Frei Gilvander: “Não pode ser
PDDI p FIEMG, mineradoras e Zema lucrarem, mas p bem do povo/ambiente"
2 - Povo se revolta e diz como deve ser o Plano Diretor da RMBH
(PDDI) de BH/MG: “PDDI para FIEMG, NÃO!
3 - Irmã
Idalina em Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI): Povo de
Brumadinho/MG está adoecido
4 - Audiência
Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Rodoanel vai demolir mais de 15 mil
casas na RMBH!”
5 - Frei
Gilvander em Audiência Pública discussão Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Fora,
mineradoras!" V.2
6 - Plano
Diretor da RMBH (PDDI) em discussão: QUE PLANO DIRETOR da RMBH QUEREMOS e será
JUSTO? vídeo 1
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas;
prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo
Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com
, www.brasildefatomg.com.br
, www.revistaconsciencia.com
, www.racismoambiental.net.br
e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Organização das Nações Unidas.
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