Pedagogia histórico-crítica e luta pela terra para mudar a sociedade. Por frei Gilvander Moreira[1]
Nenhum
tipo de educação é panaceia para todas as injustiças socioambientais, mas
também sem educação emancipatória, naufraga a luta pela terra, por moradia e por
todos os outros direitos fundamentais. Segundo Dermeval Saviani “o ser humano não se faz pessoa humana
naturalmente; ele não nasce sabendo ser pessoa, vale dizer, ele não nasce
sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber
querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo”
(SAVIANI, 2013, p. 7). Os idealizadores da Escola Nova, por acreditar em um
grande poder da educação, pensavam que a revolução social seria realizada pela
revolução educacional, mas a história tem demonstrado que via educação formal
ainda não aconteceu nenhuma revolução em nenhum lugar do mundo no sentido de
superar o capitalismo. Em maio de 1968, com a rebelião da juventude, pensava-se
ser possível fazer a revolução social por meio da revolução cultural. A
história posterior e as teorias crítico-reprodutivistas buscaram “pôr em evidência a impossibilidade de se
fazer uma revolução social pela revolução cultural” (SAVIANI, 2013, p. 58).
A pedagogia histórico-crítica busca apresentar alternativas que superem os
limites da visão de educação crítico-reprodutivista, expressa na “teoria dos aparelhos ideológicos de estado,
de Althusser, e na teoria da reprodução, isto é, a teoria da violência
simbólica, de Bourdieu e Passeron, de 1970; e na teoria da escola capitalista,
de Baudelot e Establet, de 1971” (SAVIANI, 2013, p. 58). Sendo a educação
reprodutivista inadequada, qual tipo de educação poderá não ser reprodutivista,
ou seja, não reproduzir a ideologia dominante com a lógica e a estrutura
capitalista? A pedagogia histórico-crítica tenta lançar luzes teóricas e
práticas sobre essa questão que tem relevância sobre o assunto da nossa
pesquisa de doutorado, defendida em 2017 na FAE/UFMG[2]:
luta pela terra como pedagogia de emancipação humana.
“A
questão central da pedagogia é o problema das formas, dos processos, dos
métodos; certamente, não considerados em si mesmos, pois as formas só fazem
sentido quando viabilizam o domínio de determinados conteúdos” (SAVIANI,
2013, p. 65). Alerta Saviani: “O método é
essencial ao processo pedagógico” (SAVIANI, 2013, p. 65). A origem da
pedagogia está no escravo que conduzia a criança até o local dos jogos ou ao
local onde ela recebia instrução do preceptor para introduzi-la na cultura. “Depois esse escravo passou a ser o próprio
educador” (SAVIANI, 2013, p. 65). De forma semelhante, o sem-terra, que é
um oprimido e injustiçado, ao se tornar Sem Terra, na luta pela terra, passa a
ser um educador protagonista de pedagogia de emancipação humana, pois na luta
coletiva pela terra desenvolve-se um processo de construção de um ser humano
emancipado e emancipador diante da propriedade privada capitalista da terra e
diante da exploração da mais-valia imposta pelo sistema do capital. Algo
semelhante acontece também na luta pela moradia adequada e na luta pela
conquista de muitos outros direitos humanos fundamentais.
A pedagogia histórico-crítica busca
superar várias dicotomias, “frutos do
dualismo lógico que domina nossas operações mentais. Pensamos na base do “ou-ou””
(SAVIANI, 2013, p. 73). Tais dualismos a serem superados são, dentre outros:
forma e conteúdo, socialização versus
produção do saber, saber versus
consciência; saber acabado versus
saber em processo, saber erudito versus
saber popular. Saviani desmistifica tais dicotomias, ponderando sobre saber
erudito versus saber popular: “Essa dicotomia entre saber erudito como
saber da dominação e saber popular como saber autêntico próprio da libertação é
uma dicotomia falsa. Nem o saber erudito é puramente burguês, dominante, nem a
cultura popular é puramente popular. A cultura popular incorpora elementos da
ideologia e da cultura dominantes que, ao se converterem em senso comum,
penetram nas massas” (SAVIANI, 2013, p. 69).
A pedagogia histórico-crítica pode
ser um instrumento teórico de qualificação da luta pela terra como emancipação
humana, porque “na pedagogia
histórico-crítica a questão educacional é sempre referida ao problema do
desenvolvimento social e das classes. A vinculação entre interesses populares e
educação é explícita. Os defensores da proposta desejam a transformação da
sociedade” (SAVIANI, 2013, p. 72). Óbvio que é necessário matizar que tipo
de desenvolvimento social se busca: não basta vinculação explícita da educação
com os interesses populares e não basta desejar a transformação social, pois
esta só ocorre com a transformação das condições materiais objetivas e
históricas e não apenas com informação, educação ou conscientização.
A aplicação científica da agronomia à agricultura,
dentro do processo de racionalização da agricultura, tem sido uma alavanca para
o desenvolvimento do modo de produção capitalista no campo, no caso brasileiro,
passando pelo agronegócio à base de monoculturas de soja, cana-de-açúcar, café,
eucalipto, capim etc. A luta pela terra atrelada à luta por Reforma Agrária
Popular tem traços emancipatórios, porque “batalhar
pela implantação de uma proposta de agricultura oposta ao padrão
técnico-científico da ‘revolução verde’ hoje é verdadeiramente revolucionário,
pois questiona na prática os dogmas da ciência e da pesquisa, e a produção do
conhecimento” (LEROY, 2010, p. 296). Vassalo dos dogmas do agronegócio, o
capitalista agricultor vê a terra e os trabalhadores camponeses como coisas
(mercadorias) a serem exploradas. Sobre isso Karl Marx afirma: “O modo de produção capitalista implica,
pois, por condição primeira que os verdadeiros agricultores sejam assalariados,
ocupados por um capitalista, o arrendatário, que não vê na agricultura senão um
campo especial da exploração do capital, o investimento de seu capital em um
ramo particular, e por ele praticado, da produção” (MARX, 1982, p. 354).
Por isso, o caminho transformador e que revitaliza a democracia e o resgate dos direitos trabalhistas, socioambientais e previdenciários surrupiados pelos desgovernos do golpista Temer e do inominável passa por Pedagogia histórico-crítica e pela luta por terra para conquistarmos a transformação da sociedade para além do sistema do capital idolatrado.
Referência
LEROY, Jean Pierre.
Territórios
do futuro: educação, meio ambiente e
ação coletiva. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll/Lamparina Editora, 2010.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia
Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11ª edição revista. Campinas,
SP: Autores Associados, 2013.
22/11/2022
Obs.: As videorreportagens nos links,
abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Santana e João, casal exemplar no P.A Paulo Freire, em
Arinos, MG! Exemplo de luta pela terra! Vid 3
2 - De Riachinho/MG: Dona Antônia, 1ª professora do sertão do
Urucuia, e Sr. Vadu: uma história exemplar
3 - Horta Comunitária e Escola Indígena na Retomada Indígena
Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: BELEZA!
4 - "Não aceitamos despejo nem mortos!" Povo da
Ocupação Fábio Alves no Barreiro, em BH/MG. Vídeo 5
5 - Com + de 600 casas, Povo da Ocupação Prof. Fábio Alves,
no Barreiro, BH/MG, jamais aceitará despejo
6 - Davi Kopenawa e Yanomami/Watoriki comemoram vitória de
Lula e reivindicam demandas urgentes-09/11/22
7 - STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia -
Por frei Gilvander - 10/11/2022
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais. Confira acesso em http://gilvander.org.br/site/dois-livros-de-frei-gilvander-pela-editora-dialetica-1-cpt-e-mst-e-a-injustica-agraria-2-luta-pela-terra-pedagogia-de-emancipacao-humana/
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